Refeições no escuro, uma ideia que deu certo

No hall de entrada, os clientes formam uma fila indiana, cada um coloca uma mão no ombro da pessoa da frente e assim são conduzidos à sua mesa para uma refeição bem incomum. Fumar é proibido. principalmente pelo fato de que tanto o cigarro, quanto fósforos e isqueiros poderiam ser usados como lanternas. Até mesmo os relógios, um pouco mais luminosos, não são permitidos.

O que torna o restaurante Blinde Kuh, em Zurique, Suíça, único é o fato de ele ser completamente administrado por pessoas cegas e funcionar em total escuridão.

O proprietário, Jorge Spielmann, acredita que todos os efeitos peculiares da cegueira que são vivenciados pelos clientes com visão (também denominados videntes) seriam estragados pelo mínimo raio de luz. Desse modo, a única concessão para o uso da visão, fica por conta dos toilets e do saguão que são iluminados.
Todavia, os videntes são guiados pelos funcionários do restaurante, da mesma maneira que os clientes cegos.

A ideia do restaurante surgiu de festas realizadas na casa de Spielmann. Cego, ele mesmo, às vezes vendava seus convidados videntes para lhes dar a chance de experimentar um mundo sem visão. Ele lembra que os convidados sempre comentavam que comer sem ver possibilitava maior sensibilidade ao paladar e olfato, dando mais ênfase aos alimentos. A ausência de visão também acarretava nas pessoas uma maior atenção nas conversas, uma vez que não ocorriam distrações visuais.

Logo, Spielmann, juntamente com quatro colegas cegos, arrecadou dinheiro de empresários locais e da Câmara Municipal e, no final de 1999, abriu o restaurante em um espaço pertencente a uma velha igreja.
Ele queria dar emprego a pessoas cegas e oferecer às pessoas que enxergam uma oportunidade de experimentar um mundo diferente.
O nome do restaurante, Blinde Kuh (vaca cega), vem de uma clássica brincadeira de crianças na Suiça, equivalente a brincadeira de cobra cega no Brasil.

“As pessoas achavam que seria apenas uma novidade e passaria logo, mas já estamos a mais de 10 anos na ativa,recebendo pedidos de reserva com meses de antecedência para os jantares.
E para os almoços, quase sempre estamos lotados. Sejam clientes cegos ou videntes, todos estão dispostos a esperar para experimentar o que é talvez a mais estranha aventura gastronômica da Europa. As pessoas anseiam a nova experiência.” Falou o gerente, Adrian Schaffner.

O menu, diariamente é publicado em um quadro afixado no saguão. Para os clientes cegos, um membro da equipe irá descrever as opções. O cardápio é à la carte, com uma seleção de saladas, pratos principais e sobremesas. Uma seleção de vinhos e cerveja também é oferecida.
A cozinha é composta de pratos tradicionais alemães, como carne no vinho tinto, bolinhos, chucrute, frango assado, carne suína e torta de maçã. Terminada a refeição, a conta é paga no saguão iluminado.

A maioria dos sons são característicos de qualquer restaurante: bebidas sendo servidas, o raspar de talheres em porcelana, o barulho de cadeiras em um piso de madeira. No entanto,existe um ruído incomum. É o som provocado por pequenos sinos carregados pelos garçons, avisando que os mesmos estão passando entre as mesas.
O nível de ruído às vezes pode ser intenso porque os clientes, curiosamente, tendem a aumentar o volume da voz como que para compensar a falta da visão.
Surpreendentemente, não se quebra mais prato no Blinde Kuh do que em outros restaurantes.

O dia da pessoa cega provoca um grande movimento no Blinde Kuh, e várias agências de namoro agendam para que as pessoas se encontrem na escuridão total do restaurante onde podem fazer perguntas e se conhecerem sem verem um ao outro. Mais tarde, se quiserem, eles podem se revelar no saguão iluminado.

Mas nem todas as experiências gastronómicas são agradáveis no Blinde Kuh. Algumas pessoas tiveram um ataque de claustrofobia provocado pela intensa escuridão. Em outra ocasião, um convidado idoso mencionou que a escuridão o fez lembrar de quando foi transportado, em um caminhão baú, em total escuridão, para um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
Vários outros convidados, estranhamente, reclamaram que, sem poder ver, a comida parecia ter um sabor ruim.

“A escuridão incentiva brincadeiras.”, disse, rindo, a garçonete Christine Wegmueller, que continuou:
“Recentemente recebemos um grupo de três casais em que todas as mulheres se levantaram para irem juntas ao toilet. Quando elas voltaram, os homens tinham mudado de lugar e todos se inclinaram para dar um longo beijo em suas esposas. De repente ouço um grito de uma única mulher: “Pare, pare! Você não é o meu marido. Você tem um sabor diferente!”
Os outros não perceberam a diferença ou simplesmente não se incomodaram com ela.”

A popularidade do Blinde Kuh está crescendo, o tornando um local bastante atrativo para os moradores e visitantes de Zurique.
Os jantares contam com a apresentação de músicos dos mais variados estilos e uma refeição custa em média 35 Dólares, fora as bebidas.

“Embora nós não desejamos a cegueira para ninguém”, diz Spielmann, “nós só queremos que as pessoas tenham a oportunidade de experimentar um pouco do nosso mundo em nossa mesma condição.

Restaurantes de refeições no escuro foram surgindo em outras cidades ao longo de mais de uma década
Em 2002, três anos após a abertura do pioneiro Blinde Kuh, inaugurado em Zurique em 1999, foi a vez de os congêneres surgirem em Colône e Berlim com o Restaurante Dans le Noir. Dois anos depois, com franquias em Londres, Paris, Varsóvia e Moscou.
Nos Estados Unidos, oferece o mesmo serviço à rede de restaurantes da Opaque que atende as cidades de Los Angeles, San Diego e San Francisco.
Em Montreal, Canadá, o restaurante Onoir. Em Tel Aviv, Israel, o restaurante Blackout,
E em 2007 até a China se rendeu a novidade. Em Pequim, o restaurante The Whale Inside (dentro da baleia) e por vezes chamado pelos chineses de Restaurante das Trevas, fez tanto sucesso que acabou se expandindo para Xangai, chegando até Hong Kong.
Infelizmente, a ideia ainda não foi implementada integralmente no Brasil. Até o momento só se tem notícias de poucos restaurantes que apenas disponibilizam vendas para os clientes que por ventura desejem comer sem ver. O que propicia uma experiência muito pobre, quando comparada com a ideia original

Autor: Léo Filho

O internacionalista e advogado Léo Filho tem se dedicado a causa das pessoas com deficiência, atuando na divulgação e defesa de seus direitos. Enxerga na tecnologia uma grande aliada para a construção de um mundo mais acessível, de uma sociedade em sintonia com o ideal da inclusão.

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