O filho de Gepeto e a luta das pessoas com deficiência

Eu estava aqui, neste Dia Nacional de luta das Pessoas com Deficiência, refletindo mais uma vez acerca dos infindáveis problemas enfrentados por esse grupo, do qual faço parte, quando acabei me lembrando de um clássico da literatura infanto-juvenil.
Nada mais, nada menos do que Pinóquio… E agora vocês devem estar se questionando: O que tem a ver Pinóquio com as pessoas com deficiência?
E eu digo que tem muita coisa a ver. Acredito não existir personagem mais emblemático da atual situação vivida por nosso grupo.
Ao se lembrarem das características do famigerado boneco de madeira, as coisas ficarão mais claras e vocês acabarão identificando as similitudes.

Antes que me acusem, dado o mau hábito de o bonequinho proferir inverdades, esclareço que não estou dizendo que os deficientes são tão mentirosos quanto ele. Embora, eu conheça alguns, que caso sofressem do mesmo efeito da mentira, teriam um sério problema de mobilidade, não pela deficiência em si, mas sim pela dificuldade para conduzir o gigantesco nariz. De repente, para outros, nem seria tão ruim assim, acabariam por descobrir uma enorme vantagem em usar o nariz como bengala.

Agora, ao lembrarmos da ingenuidade, da indisciplina e desorganização de Pinóquio já começamos a notar algumas semelhanças.
De uma forma geral, as pessoas com deficiência, em particular os deficientes visuais, parecem desconhecer seus direitos, revelam uma extrema dificuldade de articulação e mobilização com vistas a defendê-los.
Mesmo as ditas organizações representativas padecem de uma profunda letargia, raras são as vezes que esboçam ações mais incisivas. Em fim, todos demonstram estarem conformados com sua condição de Pinóquio, isso mesmo, uma condição de “meio ser humano”, e assim revelo a principal semelhança entre nós e o inconsequente boneco de madeira.

Como me afirmar um ser humano em sua plenitude, se me é negado o exercício dos direitos mais fundamentais?
Como exercer o direito de ir e vir quando as cidades não possuem a adequada acessibilidade urbanística, sem rampas, rebaixamentos, piso tátil, etc?
Como exercer o direito de acesso aos meios de comunicação quando a internet está repleta de barreiras digitais e as emissoras de TV não implementam em toda a sua programação a audiodescrição, legenda oculta e janela de Libras?
Como exercer o direito a leitura, educação e cultura quando não há a possibilidade de se adquirir todo e qualquer livro em formato acessível aos deficientes visuais?
Eu poderia enumerar tantas outras violações mas esse post ficaria demasiadamente extenso e essa não é a intenção.

E fora o exercício parcial de direitos, ainda temos que lidar com toda forma de preconceitos e com a aplicação desastrada das políticas afirmativas, seja pela inadequada implementação, por conta do total desconhecimento das verdadeiras necessidades dos deficientes, resultando em desperdício de tempo e recursos públicos, ou mesmo, pelas distorções geradas em decorrência de o Brasil ainda não possuir uma classificação oficial de deficiências, o que acarreta ainda mais exclusão.
E pensar que a maioria desses problemas poderiam ser evitados, se respeitassem a máxima: “Nada para nós sem nós.”

Sempre ouvimos dizer que o trabalho dignifica o homem, só que na iniciativa privada, as empresas, quando não desrespeitam a Lei de cotas, querem pagar aos deficientes a metade do salário que é pago aos demais trabalhadores, e no serviço público, tem juíza afirmando que servidor com deficiência é meio servidor. Mais uma vez querem nos atribuir uma dignidade parcial.
E nós, pessoas com deficiência, o que estamos fazendo perante tudo isso?

Vejamos o que fez Pinóquio.
Depois de muitos erros, e sofrimento, da falta de compromisso com o que mais deveria importar Pinóquio se conscientiza da necessidade de mudança. Por conta dessa nova postura ele se redime completamente. E a partir de então ele persegue incansavelmente a Fada Azul, para que a mesma finalmente o transforme em um ser humano.
E agora? Quem será a Fada Azul dos deficientes? A sociedade? O Estado?

Bem, penso que agora nos resta seguir o exemplo de Pinóquio, levantarmos dos colos dos ventrílocos e perseguirmos a nossa Fada, seja ela Azul, verde, amarela ou branca.
Imaginem como tudo seria mais simples se conseguíssemos nos fazer ouvir.

A essa altura, alguns já devem estar me taxando de Grilo Falante, mas não importa, afinal de
contas, a consciência de Pinóquio foi fundamental para a mudança que se
fazia necessária.

Minha intenção aqui é provocá-los para uma importante reflexão, com o propósito de convencê-los a adotarem uma postura pró-ativa, para que possamos
utilizar de forma mais eficiente as valiosas ferramentas que estão à
nossa disposição. Ferramentas que foram construídas com muito sacrifício, principal razão de nossa comemoração nesse Dia Nacional da Luta da pessoa com deficiência. Agora sigamos para a próxima etapa, fazendo valer toda essa conquista.

Esclareço que não se trata de sermos brutos e sim firmes em nossas ações.
O Brasil possui a legislação mais sofisticada no que concerne aos direitos da pessoa com deficiência e esse é o nosso arsenal.
Façamos do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Judiciário nossos aliados.
Vamos exigir o devido respeito, vamos judicializar nossos direitos. E paralelamente, continuaremos a reivindicar a elaboração, implementação e adequada aplicação das políticas públicas.
Este sim, é o caminho para um verdadeiro choque de inclusão.
Vamos acelerar todo esse processo para que , assim como Pinóquio, em breve possamos realizar o nosso grande sonho

Autor: Léo Filho

O internacionalista e advogado Léo Filho tem se dedicado a causa das pessoas com deficiência, atuando na divulgação e defesa de seus direitos. Enxerga na tecnologia uma grande aliada para a construção de um mundo mais acessível, de uma sociedade em sintonia com o ideal da inclusão.

Uma consideração sobre “O filho de Gepeto e a luta das pessoas com deficiência”

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