Justiça garante acessibilidade em eleições da Associação dos Servidores do Ministério Público Federal

Sempre defendi que as associações classistas e sindicatos possuem um papel extremamente importante na inclusão das pessoas com deficiência. Afinal de contas, parcela significativa dos trabalhadores, servidores públicos e empregados públicos têm algum tipo de deficiência. Logo, é fundamental que essas entidades assumam suas responsabilidades para com esse grupo já tão marginalizado.

No Ministério Público Federal, existe uma associação classista. A ASMPF (Associação dos Servidores do Ministério Público Federal) que, por mais incrível que pareça, em mais de 30 anos de existência, nunca desenvolveu qualquer ação em prol dos servidores com deficiência. Observem que tal fato se reveste de extrema gravidade, visto que se trata de uma associação no âmbito do Ministério Público, que tem por uma de suas atribuições justamente a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, com respeito à diversidade, condição básica para a construção de uma sociedade justa.

Pois bem, na condição de servidor do MPF, militante pelos direitos humanos e também como pessoa com deficiência, eu não poderia me furtar a um debate sério, com vistas a corrigir essa grave distorção. Desse modo, resolvi encarar mais um desafio, o de me lançar candidato à presidência da ASMPF, buscando, entre outras coisas, enfrentar essa problemática de forma mais direta.

O processo eleitoral da ASMPF se iniciou no dia 6 de março com a divulgação do regulamento das eleições. O regulamento padecia de sérias irregularidades, mas, neste espaço que trata especificamente sobre os direitos das pessoas com deficiência, vou me ater somente ao total desrespeito do regulamento aos requisitos de acessibilidade.

Acessibilidade é uma condição indispensável para possibilitar às Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, com vistas a assegurar a essas pessoas o acesso, em igualdade de oportunidades com as outras, ao meio físico, ao transporte, à informação e à comunicação, bem como a garantir sua participação na vida política e pública. Assim, não só a ASMPF, mas todas as associações e sindicatos, devem garantir em suas eleições a plena acessibilidade à participação dos servidores e empregados com deficiência e mobilidade reduzida.

Os trabalhos eleitorais devem ser adequados às necessidades das pessoas com deficiência. Mesários, auxiliares de eleição e delegados de prédio devem receber as devidas orientações para reduzir barreiras físicas nos locais de votação e dicas sobre como interagir com as Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida, de modo a eliminar barreiras atitudinais. Tecnologias assistivas indispensáveis, tais como documentação digital em formato acessível, sistema Braille e Libras, tudo isso deveria ser abordado pela Comissão eleitoral da ASMPF no regulamento da eleição, para que haja o devido respeito ao princípio basilar de nossa Carta Magna, o princípio da isonomia.

Ressalte-se que a própria convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que foi Aprovada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional, deixa claro, em seu artigo 29, a obrigação de se garantir às pessoas com deficiência, a plena participação na vida política e pública:

Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Artigo 29

Participação na vida política e pública. Os Estados Partes deverão garantir às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de desfrutá-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão comprometer-se a:

a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros:

     (i) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso;

    (ii) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatarem-se às eleições, efetivamente ocuparem cargos eletivos e desempenharem quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, se couber; e

   (iii) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam atendidas na votação por uma pessoa de sua escolha;
[…]

O regulamento em questão, tão-somente, mencionava um método convencional de votação por meio de cédulas de papel, sem fazer qualquer menção aos recursos assistivos, tais como Sistema braille (sistema de leitura e escrita tátil para pessoas cegas), Libras (Língua Brasileira de Sinais para surdos não oralizados que foi reconhecida como língua oficial pelo Brasil por meio da Lei n. 10.436/2002), editais e demais documentos em formato digital acessível (que são acessados via internet por meio de aplicativos especiais que são instalados nos microcomputadores e que possibilitam que uma pessoa surda, cega ou de baixa visão tenha plena compreensão do conteúdo disponibilizado na Web). Estes aplicativos são denominados Leitores de Tela e Intérpretes Digitais da Língua de Sinais.

Todos esses recursos são indispensáveis para a adequada comunicação das pessoas com deficiência entre si e com as demais pessoas sem deficiência, possibilitando que possam se organizar politicamente. Somente por meio dos recursos supracitados as pessoas com deficiência podem, de forma autônoma, se informar acerca de todo o processo eleitoral e se articular na intenção de disputarem as eleições e exercerem seu direito de voto, ou seja, terem respeitado o seu direito de votar e ser votado.

Ao não tratar da participação de candidatos com deficiência nem estabelecer um pleito com a devida acessibilidade, o regulamento se torna um instrumento de exclusão e segregação que fere de morte a garantia constitucional das pessoas com deficiência.

Assim, não me restou outra saída a não ser acionar o judiciário. Com efeito, em uma ação que penso ser inédita no país, questionei o descumprimento do artigo 29 da Convenção Internacional Sobre os direitos da Pessoa com Deficiência e a mesma foi deferida, com a antecipação de tutela, acolhendo todos os pedidos, determinando a elaboração de um novo regulamento eleitoral com a observância de todos os requisitos de acessibilidade necessários para a plena participação dos cidadãos com deficiência, tanto na condição de candidatos quanto na de votantes.

Estou buscando sim, me empoderar desse espaço político, fazendo jus ao lema da Convenção, “Nada para nós sem nós”. Obviamente, pretendo ser presidente de todos os servidores, e trabalhar por todos e não só para os deficientes. Todavia, é preciso quitar essa imensa dívida que a associação tem para com esses cidadãos já tão marginalizados.

Conclamo à todos os movimentos e instituições, de luta pelo respeito à diversidade, sejam governamentais ou da sociedade civil, à acompanharem o que está ocorrendo nas eleições da ASMPF pois já começamos a quebrar paradigmas. É certo que todos estes acontecimentos repercutirão muito além desse cenário eleitoral da Associação dos Servidores do Ministério Público Federal.

Processo: 2014.01.1.037458-2 da Circunscrição de Brasília

Autor: Léo Filho

O internacionalista e advogado Léo Filho tem se dedicado a causa das pessoas com deficiência, atuando na divulgação e defesa de seus direitos. Enxerga na tecnologia uma grande aliada para a construção de um mundo mais acessível, de uma sociedade em sintonia com o ideal da inclusão.

Deixe um comentário